domingo, 29 de março de 2009

O bilhete da lotaria

Não sei o que o meu tio teria feito com a lotaria, caso alguma vez a tivesse ganho. Sei que todas as quintas feiras o meu tio ia à cidade de propósito para comprar um bilhete da lotaria. O meu tio barbeava-se, vestia uma roupa de sair, colocava o chapéu cinzento na cabeça e percorria uma vereda durante quase uma hora, até apanhar um horário que o deixava no Campo da Barca. Daí seguia a pé pelas ruas, aposto que olhando para tudo, apreciando e respirando a azáfama citadina. O meu tio cumprimentava as pessoas conhecidas com quem se cruzava com uma mãozada forte. Imagino que às vezes entrava no mercado e às vezes comprava bacalhau numa loja da Fernão de Ornelas e talvez tomasse uma bebida com um conhecido numa tasca e talvez aproveitasse para engraxar os sapatos. E então chegava o momento em que o meu tio entrava na casa de lotarias e comprava o bilhete que tinha sempre o mesmo número. Durante toda a sua vida o meu tio apostou no mesmo número da lotaria e nunca lhe saiu nada.

Os pombos e o velho carvalho

Junto à casa do meu avô havia um velho carvalho. No velho carvalho junto à casa do meu avô pousavam dezenas de pombos. Os pombos que pousavam no velho carvalho junto à casa do meu avô eram livres mas voltavam sempre ao mesmo ramo. O meu avô olhava para o velho carvalho e seguia a vida dos pombos, sabia quem estava em casa e quem não estava, sabia tudo e o que não sabia não queria saber. O meu avô era feliz enquanto olhava para o velho carvalho junto à casa. Esse amor de distância fazia feliz o meu avô.