sábado, 26 de fevereiro de 2011

Dentro de uma mão fechada

A minha mãe pequenina desejava uma agulha para bordar e o meu tio Fortunato deu-lhe dois tostões para que a fosse comprar à venda do China. A agulha custava, afinal, três tostões mas o China perdoou o tostão que faltava e passou-lhe para as mãos pequeninas a agulha embrulhada num papel.
No caminho de regresso, não correu nem saltou. De vez em quando, parava com o coração aos pulos: Abria o papel devagar e depois de confirmar que a agulha continuava lá, voltava a fechá-lo com cuidado. A preocupação com a agulha fez com que abrisse várias vezes o papel, na vereda sombreada de pinheiros, no percurso entre a venda do China e a casa dos meus avós. Já atrás do Palheiro do Ti Simeão, faltava já menos de metade do caminho, voltou a abrir o papel e...a agulha tinha desaparecido.
Com um grito, primeiro silencioso e ainda com esperança, procurou-a entre a faúlha que cobria a vereda e por entre as ervas que a ladeavam. Nada. Voltou atrás, até o sítio onde a tinha visto pela última vez. Procurou, procurou, já toda desfeita em lágrimas, mas a agulha nunca apareceu.
Chegou a casa apenas com o papelinho embrulhado dentro da mão pequenina e um enorme desgosto.
Sempre que volta a contar esta história, a voz da minha mãe carrega um bocadinho desse desgosto, embora se ria com a lembrança. E eu, sempre que a ouço, memorizo dentro de mim a lição de que a demasiada preocupação em manter algo de que gostamos, a angústia causada pelo medo de não a conseguirmos agarrar para sempre, é meio caminho para a perdermos.

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